terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Prefeitura de "La Laguna" anuncia restauração do 

futuro museu "Casa natal de José de Anchieta" 



A Câmara Municipal de “La Laguna” contratou obras de reabilitação para a casa natal de José de anchieta, sítio de interesse cultural com a categoria de Monumento. A intervenção terá início em meados de janeiro 2021 e tem um prazo de execução de sete meses. A casa se encontra fechada, depois que hospedou temporariamente o Arcebispado de Canárias.

O prefeito, Luis Yeray Gutiérrez Pérez, destacou que com estas obras “os cidadãos de La Laguna recuperam uma bem de alto valor histórico, ligada a uma das grandes figuras de nossa cidade, como José de Anchieta, e em breve ganharão um novo espaço de divulgação cultural e patrimonial, que é uma das principais apostas deste grupo de governo”.

A vereadora do Património Histórico, Elvira Jorge, lembrou que o objectivo da reabilitação é utilizar o edifício como centro de interpretação da figura de Santo José de Anchieta, que viveu nesta casa até aos catorze anos, antes partir para Portugal e depois para o Brasil.

Por sua vez, o Conselheiro de Obras, Andrés Raya Ramos, explicou que o principal objetivo do projeto é adequar a casa aos requisitos da lei de acessibilidade e a remoção de barreiras físicas e de comunicação, mas sem entrar em choque com os valores fundamentais do edifício histórico.

Notícia de 28/12/2020, às 11:29.

(https://www.facebook.com/292131750914300/posts/3447390415388402/?sfnsn=scwspwa). 



quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

 Auto de Natal de José de Anchieta – Pregação Universal (1561)

 


         

O Natal do Senhor é um tempo todo especial, pois se torna ponto de convergência para todos os caminhos. Nesse lugar onde repousa o coração humano, José de Anchieta deu início a sua obra catequética, i. é, tratando o mistério da encarnação como tema para a sua primeira obra teatral reconhecendo a força de atração que tem o presépio do Senhor. Como sua leitura é marcada pela obra dos Padres da Igreja que veem na carne do verbo a salvação do homem é colocada em cena à história da salvação, isto é, a condição de Adão que perdeu seu quinhão (a graça de Deus) enquanto aguarda sua redenção. Não por acaso que esse seu primeiro espetáculo foi chamado de “Pregação Universal”, pois a primeira boa notícia é acolher o misericordioso amor de Deus que nos visita (Lc 1,78).

Se a encarnação de Jesus, segundo a catequese dos Padres, já é a antecipação da força redentora do gênero humano, José de Anchieta coloca no palco dos brasis a história do moleiro (Adão) que perdeu seu pelote domingueiro (a graça de Deus), pois o diabo foi o ladrão que roubou a graça (veste) de Adão. Nessa trama que inclui o apelo à conversão de portugueses e indígenas (temor e amor de Deus) se constrói a tecedura da veste nova que Jesus (neto do moleiro) trará (Hb 2,14). É a Virgem Maria que, no fundo do palco, costura, no silêncio de quem acolhe a Profecia o novo domingueiro, isto é, veste nova feita pelas mãos humanas da Virgem e pelas mãos divinas de Cristo. Como Sara que tem motivos para sorrir (Gn 21,6), é a jovem filha de Sião quem vingará a Eva antiga se fazendo medianeira (Lc 1,38).

Nessa obra escrita em sua juventude, o Apóstolo do Brasil apresenta claramente as dificuldades do trabalho evangelizador, mas, também, como dizia o P. Leonardo Nunes (seu tutor), há urgência em converter primeiro os portugueses, que são empecilho para a conversão do Brasil. O espetáculo termina em festa, isto é, com a dança dos índios a seu senhorzinho, porque começam a moer o verdadeiro trigo que na manjedoura alimenta o mundo (Lc 2,7). O diabo que desfilava todo galante no início do espetáculo com o casaco roubado termina humilhado, porque o neto do maneiro, que é Jesus, reinstitui ao moleiro (Adão) o que havia sido roubado.

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

O TEATRO DE JOSÉ DE ANCHIETA NA MISSÃO DE RERIGTIBÁ: 

UM INSTRUMENTO PARA A EVANGELIZAÇÃO DO GENTIO.





Felipe de Assunção Soriano, SJ. 

Universidade Católica de Pernambuco. 

felipeassj@yahoo.com.br 


Resumo: José de Anchieta esteve várias vezes na Capitania do Espírito Santo e pôde constatar a bondade da terra, suas riquezas naturais e sua abertura ao Evangelho. A forma como desenvolveu o seu trabalho na Capitania do Espírito Santo, depois da chegada e consolidação dos índios Temiminós é o fato que justifica seu bom êxito missionário. Conforme afirma Simão de Vasconcelos em Vida do Venerável São José de Anchieta (1943, p. 96-97), ao terminar o seu provincialato, ele foi imediatamente viver nessa missão e colaborar na formação dos indígenas. No tocante aos espetáculos teatrais, registram-se 12 peças atribuídas a ele, sendo oito escritas na Missão de Rerigtibá. Destas oito, há uma obra em língua geral (Tupi) que merece a nossa atenção, a saber: o Auto da Assunção e sua adaptação (Separada do Teatro). No alto de sua vida, essa aldeia tornou-se o lugar propícios para desenvolver sua arte, isto é, palco perfeito para a sua ação evangelizadora. O Auto da Assunção, e sua adaptação, é o fato que nos revela que essa aldeia, na verdade, foi um palco teatral na missão da Companhia de Jesus. Nosso texto, a partir desta constante, deseja destacar suas particularidades e como se fez uso das tradições ibéricas e indígenas na construção desta obra. 

Palavras-chave: Missão, Teatro, Mariologia.

Link: https://www.snh2019.anpuh.org/resources/anais/8/1567636140_ARQUIVO_soriano.pdf


 

Mariologia popular em José de Anchieta: Da Virgem da Assunção – a “Conquistadora” – a “Tupansy” de Rerigtibá

 


Felipe de Assunção Soriano, SJ[1].

 

Resumo

José de Anchieta é o primeiro mariólogo jesuíta, conforme a tese de José Maria Fornell (1997). A sua devoção à Virgem Maria aprofundou nele traços decisivos da cultura portuguesa que influenciam o seu imaginário e moldam a forma como ele viveu sua consagração religiosa na Companhia de Jesus. Todavia, longe de ficar preso a esses arquétipos, se inseriu nas culturas e costumes indígenas de tal maneira que sua mariologia foi capaz de ser uma resposta aos desafios da Missão. Como bom teólogo que era, operou durante toda a sua vida um processe profundo e minucioso de inculturação de sua experiência marial, fazendo migrar da Maria do Conquistador para a Maria dos aldeados. Tal processo de decolonização da sua própria experiência é o primeiro passo que possibilitará, a partir do teatro e de outros instrumentos catequéticos, a retomada do projeto missionário jesuíta tendo na figura da Mãe de Deus (a Tupansý) um modelo mais bem-acabado da meta cristã. Será na Missão de Rerigtibá, com o Auto da Assunção, que José de Anchieta operará vários processos de descolonização e ressignificação de sua experiência marial.

 Palavras-chave: Portugal, Devoção, Missão, Teatro, Mariologia.


Link: 




[1] Padre da Companhia de Jesus e Mestrando com pesquisa em Teologia sobre o Teatro de José de Anchieta na Missão de Rerigtibá e sua Mariologia Popular pela UNICAP. felipeassj@yahoo.com.br

domingo, 15 de março de 2020


HOMENAGEM AO PADRE FELIPE 
PELOS SEIS ANOS DE SACERDÓCIO - 2019
(Iêda Rocha)


  
 De raízes recifenses
Brasileiro nordestino,
Muito amigo de Jesus
Desde quando era menino,
Na família jesuíta
Ele encontrou seu destino.

Fez de sua vida um hino
De louvor e gratidão,
Sem esquecer sua casa,
Sua família, seu chão,
O jovem padre Felipe
Encontrou sua vocação.

A vida de oração
Sempre foi o seu sustento,
e na fé de sua igreja
Encontrou seu alimento
No maior serviço ao Reino
Que está em crescimento.

Fez crescer o seu talento
E se tornou servidor,
Vive a espalhar sementes,
De justiça, paz e amor,
Ajudando seus irmãos
Como fez Nosso Senhor.

É um fiel cumpridor
Da missão que escolheu,
Tem o dom de ajudar,
Caminhar com o povo seu,
Auxiliando a igreja,
Santa Mãe que o acolheu.

Desde quando recebeu
No batismo a unção,
Por Deus Pai foi escolhido
Para a divina missão
De ser na terra instrumento,
Sendo a voz do Cristo irmão.

Com o tempo e a formação,
Da tarefa está ciente,
Pois vocação é um dom
Que Deus nos dá de presente,
Mas é tarefa constante
Pra vivê-la dignamente.

Neste mundo tão carente,
No pecado mergulhado,
Deus envia e acompanha
Pra dar conta do recado,
Por isso, padre Felipe
É um servo preparado.

Está fazendo mestrado
Para se aprofundar,
E seu trabalho bonito
Possa sempre prosperar,
Qualidade em formação
Ao povo possa ofertar.

Gosta muito de ajudar
E na música se garante,
Excelente liturgista,
Conselheiro edificante,
Ajuda a comunidade
A ser também celebrante.

Que seja perseverante
Trilhando o seu caminho,
Que o bom Deus abençoe,
Livrando do descaminho,
Pois em cada passo dado
Nunca estará sozinho.

Tem o povo o carinho
E de Deus a proteção
Para seguir fielmente
Sua santa vocação
Durante todo esse tempo
Da sua consagração.

Dos seis anos de missão,
Exercida sabiamente
Inspirando o seu povo,
E ajudando alegremente,
Deixa a todos um recado:
Amamo-nos mutuamente.

(Homenagem da Comunidade N. Srª. da Bondade, Paróquia do Sagrado Coração de Jesus - Águas Compridas/ Olinda - PE, dia 15 de junho de 2019).

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

A divina fogaça de José de Anchieta
“Da mesa da páscoa para o altar da Eucaristia”



Pe. Felipe de Assunção Soriano, SJ *

José de Anchieta de fato foi um grande poeta que colocou toda a sua arte a serviço da fé. De suas mãos temos acesso a um poema em língua portuguesa, único e avulso nesta língua, que foi traduzido posteriormente para o latim, composto por 188 versos e sobre a Santíssima Eucaristia. Foi extraído do Manuscrito de Algorta e publicado no 5º volume de suas Obras Completas por Armando Cardoso, SJ . Por causa do seu lirismo e conceituação, a poesia pode rivalizar com os hinos de S. Tomás de Aquino e de João Peckam como verdadeiro hino eucarístico. Sua preocupação com a catequese é elemento marcante em suas poesias, pois, quando precisa alcançar os homens com sua lírica, faz uso de tudo que tem a mão. Diante de matéria tão fina como a Eucaristia, José de Anchieta não se furtará a missão de apresentar a sua devoção aos homens do seu tempo. Como é próprio de sua catequese, recorrendo a sua memória afetiva e as tradições portuguesas e indígenas, irá comparar a Eucaristia a um pão doce, feito em casa, muito popular na Europa e aqui no Brasil. Nesta alusão direta, que passa despercebido aos olhos, nos dá pretexto para falar de sua abertura e inculturação. Vejamos o poema:
Ó que pão, ó que comida,
ó que divino manjar
se nos dá no santo altar,
cada dia!
Filho da Virgem Maria,
que Deus Padre cá mandou
e por nós na cruz passou
crua morte,
e para que nos conforte
se deixou no sacramento,
para dar-nos, com aumento,
sua graça.
Esta divina fogaça
é manjar de lutadores,
galardão de vencedores
esforçados,
Deleite de namorados,
que co’o gosto deste pão,
deixam a deleitação
transitória.**

O popular pão doce se chama fogaça, mais conhecido como fogaça de Santa Maria da Feira, gastronomia portuguesa da região de Aveiro e Porto . Tem sua origem a partir de um voto feito a S. Sebastião, contra a peste, em 1505. A promessa consistia em realizar uma festa anual, a 20 de janeiro, em honra de S. Sebastião se se livrasse os feirenses de tamanho mal. O voto da promessa foi fazer a fogaça, bolo cujo formato remonta as quatro torres do castelo de Feira. Por causa deste “voto” registram-se grandes jogos promovidos por festejos de Igreja – as Fogaceiras, cujo prêmio para os vencedores era a fogaça. Em outras regiões de Portugal, como é costume nas famílias, encontramos a fogaça à mesa no tempo pascal.
Outra tradição mais antiga, de mais de 600 anos, faz memória a um naufrágio que não aconteceu por intervenção da Virgem Maria em Alcochete. Um pescador, vendo-se aflito, pediu a ajuda da Virgem Santíssima que lhe apareceu no monte de Atalaia. Chegando a salvo a Alcochete prometeram ir agradecer à Virgem em Atalaia deixando lá uma réplica do seu barco e uma bandeira. Para comemorar este fato, inventaram o este bolo fogaça com forma redonda. Todos os anos, no tempo da Páscoa, se realiza um Círio Marítimo para agradecer a intercessão da Virgem que os salva em momento de aflição . Como um dos tantos pães típicos do tempo da Páscoa, em outras regiões de Portugal, é comum encontrar as madrinhas presenteando seus afilhados com uma fogaça. A tradição manda que a fogaça seja servida partida à mão e dada aos começais, fazendo clara alusão ao pão partido em nome do Senhor. Por isso, fazendo memória da vitória de Cristo sobre a morte, é José de Anchieta quem nos convida a redescobrir este sinal que, em sua catequese inculturada, remete-nos a Cristo na Eucaristia.

* Padre Felipe é jesuíta e mestrando em teologia pelo programa de Pós-Graduação da Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP. Orientadora Prof. Dr.å. Alzirinha Rocha de Souza. (felipeassj@yahoo.com.br).
** ANCHIETA, José de. Lírica portuguesa e tupi (Obras Completas, 5º Volume). São Paulo: Loyola, 1984, p. 102-106.
RECEITA:
Ingredientes para o fermento
. 200 g de farinha
. 120 ml (ou mais) de água morna
. 50 g de fermento fresco de padeiro
Ingredientes para a massa
. 600 g de farinha
. 160 g de açúcar
. 120 g de manteiga sem sal
. 3 ovos
. 1 colher (café de sal
. 1 colher (café) de canela em pó
. raspa de limão.
PREPARAÇÃO:
1 - Dissolva o fermento na água tépida e deixe repousar um quarto de hora. Depois adicione a farinha e mexa até obter uma massa relativamente mole. Deixe levedar cerca de meia hora (depende da temperatura ambiente) para que aumente de volume.
2 - Depois, adiciona-se o açúcar com a canela, o sal, os ovos, a raspa de limão, a manteiga e a farinha necessária para se obter uma massa um pouco mais consistente do que a do pão. Deixa-se fermentar o tempo necessário para a massa dobrar de volume.
3 - Seguidamente, pega-se na massa, divide-se ao meio e molda-se cada uma das partes num rolo comprido semelhante a uma serpente, isto é, mais espesso num dos lados. Espalma-se este rolo com a mão, ficando uma tira que se começa a enrolar pelo lado mais largo, resultando numa pirâmide.
4 - À medida que se vão enrolando, vão-se colocando as pirâmides num tabuleiro forrado com um pano polvilhado com farinha onde voltam a crescer (entre 30 minutos e 1 hora). Pincelam-se com ovo batido e, com uma tesoura, dão-se 4 golpes no topo da pirâmide de que resultarão as "torres do castelo".
5 - Introduzem-se as fogaças no forno quente a (200º) e, a meio do cozimento (cerca de 15 minutos depois), tiram-se para fora e separam-se as "torres do castelo", permitindo assim que o calor penetre no interior das fogaças, cozendo-as uniformemente. Voltam ao forno para acabar de cozer. As fogaças devem ficar loirinhas e não queimadas, e cozidas mas não em demasia. Verificar a cozimento introduzindo uma faca no meio; se esta vier seca, o bolo está pronto (http://www.dulcerodrigues.info/ga…/…/receitas_fogaca_pt.html).

O poema "Jandé jára ariré" (Dança para os Reis Magos): Crítica de José de Anchieta contra a maldade dos portugueses que escravizam os indígenas na Capitania do Espírito Santo.




Felipe de Assunção Soriano, SJ
Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP
felipeassj@yahoo.com.br

A Festa de Reis Magos é uma das festas do Senhor que recebeu atenção especial de José de Anchieta, isto é, uma peça poética feita, provavelmente, para o final do seu Auto de Natal a “Pregação Universal” (1575) ou para a Festa de Reis na Igreja de Reis Magos, Nova Almeida-ES. A devoção aos Santos Reis remonta à tradição da Casa de Aragão (Espanha), que tem por patrono os Santos Reis do Oriente. Tal devoção foi incorporada a catequese anchietana na meditação da quarta contemplação dos Mistérios Gozosos escritos em tupi. José de Anchieta substitui o mistério da Apresentação de Jesus no Templo pela Adoração dos Magos ao Menino. Para José de Anchieta é mais importante para o índio ver que “as nações de toda a terra vão adorar o Senhor” (Mt 2,1-12).
A cantiga é composta por quatro quintilhas e seis quadrinhas em redondilha maior, esquema métrico preferido para as peças cantadas em tupi. O poema em questão foi escrito para uma confraria de escravos, que era o caso de alguns lugares como São Vicente, Rio de Janeiro e a Aldeia dos Reis Magos no Espírito Santo. Um poema escrito em tupi e português por causa do seu público, isto é, dando voz aos índios e chamando a atenção dos portugueses. A peça foi feita para ser dançada e acompanhada por meninos tocando gaitas. A cada dançarino, competia cantar uma das estrofes. Das dez, só uma foi escrita em português, a 7ª, fazendo sua crítica aos portugueses e valorizando ainda mais os versos precedentes em tupi. O público alvo desta catequese são os índios, mas, conforme o estilo da missão, construída em quadra, também há portugueses residentes ou convidados ao festim.
Armando Cardoso (1984), chama a atenção ao tom usado na canção, por causa do muito afeto e graciosidade colocadas nos versos em favor dos curumins. Os indiozinhos cantores, dançarinos e gaiteiros são quem sustentam a louvação ao Menino Deus. Conforme o estilo devocional, dança-se dentro da Igreja, isto é, diante da pintura em tinta óleo feita pelo jesuíta Pe. Belchior Paulo que traz em primeiro plano a Virgem Maria e o Menino e, no segundo plano, os Magos em adoração e José (1598). A obra é uma crítica forte contra os portugueses que perseguiam, maltratavam e só desejavam os índios como escravos. Embora ingênua nas ideias, a linguagem é elegante e sentimental, pois a peça foi feita para ser cantada por dez meninos que aprendem português e ensinam aos seus pais.
Na primeira estrofe, à procura de Nosso Senhor, veem de longe os Reis, seus fiéis, trazendo presentes. No segundo estrofe, apelando ao apego que os índios têm aos seus filhos pequenos, José de Anchieta chama o Senhor de meninozinho, pois todos amam muito o seu Criador de coração. Na terceira estrofe, coloca-se em revelo o fato dos escravos dançarem neste dia, deixando os maus hábitos e acreditando em Deus. Na quarta estrofe, canta-se em primeira pessoa dizendo que os escravos índios deixam os velhos costumes e creem em Tupã. É o seu autor quem reage neste verso dizendo: “abalei-me do meu repouso alegrando-me, com razão, por amor destes escravos.”
Na quinta estrofe, ele nos dá o motivo da vinda, pois não viria jamais à Missão por causa dos homens brancos que, como sempre são perversos e malditos, pois, mesmo sem guerra contra os índios, são traiçoeiros. José de Anchieta não esconde a malícia dos portugueses que assediam os índios tentando escravizá-los, mas, no singular, dá-nos a pensar que o Deus Menino seja índio ao chamá-lo de escravozinho. Na sétima estrofe, o único em português, fala diretamente aos destinatários desta catequese, isto é, os que precisam de correção, os portugueses, pois ao verem meninos índios dançando e tocando, logo dizem os malditos portugueses: “Oh, que bonitos meninos para serem nossos boieiros!”
Na oitava estrofe é dirigida ao menino recém nascido: “Cuidado, cuidado, menino,/ para que os brancos não te batam!/ Eles tudo se irritam, pois são maus. / Não vão te esbofetear hoje,/ conforme é seu mau costume”. Na nona estrofe encontramos um consolo aos indiozinhos que adoram o Menino Deus, pois “diante de palavras ameaçadoras que ouviram /esperam que depressa se desfaça tal armadilha, / pois eles hoje serão bondosos / e nos darão também presentes (Anzóis).” Os índios adoravam pescar com anzóis e buscavam os portugueses para que lhes dessem alguns, pois tal manejo técnico facilitava sua pescaria. Por fim, na última estrofe, termina-se o canto saudando ao Menino e a sua mãe a Tupansý: “a Jesus virtuoso, / a Maria, sua mãe, /que são o objeto deste canto, / pedindo que nos deem a vida eterna / a minh’alma dos índios seus”.
O poema "Jandé jára ariré" (Dança para os Reis Magos) é uma pérola da catequese anchietana, pois traz a público as tensões internas do trabalho com o gentio, a relação com os colonos portugueses e as pressões externas ao trabalho missionário. A crítica feita aos portugueses é a mais dura já dirigida por José de Anchieta, pois recorre à figura de Jesus Menino em paralelo aos pequeninos índios explorados. Quase sempre, conforme as orientações para as correspondências da Companhia de Jesus, evitava-se tecer críticas tão fortes contra os portugueses. Certamente, em contexto bíblico, José de Anchieta fundamenta tal crítica no relato do massacre das crianças inocentes de Jerusalém que foram mortas pela crueldade de Herodes (Mt 2, 16-18). O que o canto nos revela é a situação limite que se impõe às Missões e a necessidade delas como lugar onde ainda era possível defender os índios.
Segue a tradução de Eduardo de Almeida Navarro, publicado na obra Poemas lírica portuguesa e tupi de José de Anchieta, São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 192.
Após o nascimento de Nosso Senhor,
De longe vieram uns reis,
Crendo muito nele, com efeito.
Para fazer oferendas a ele,
Trouxeram-lhe cosias.
Os reis apressados, neste dia, junto a seu Senhor
Nenezinho vieram.
Amam muitíssimo
Em seu coração a seu criador.
Por isso mesmo os escravos
Festejam este dia.
Imitando o antigo procedimento dos Reis,
Em Deus confiam.
Eu, a respeito dele perguntando,
Vim da minha casa.
Alegro-me muito,
Amando os escravos.
Eu não queria vir (mas vim)
Irado os homens brancos.
Sempre os malditos para nós
Dizem maldades, mui perversamente.
Assim dizem sempre vendo-nos:
- Ah, é muito bonito o menino
Que poderia ser escravozinho!
(Trecho em português)
Como nos veem pequeninos,
Dançadores e gaiteiros,
Logo dizem os malinos:
“Ó! Que bonitos meninos
Para ser nossos boiadeiros”.
Bobagem, bobagem, menino,
Não te castiga o homem branco.
O que se irrita, desgraçado,
Não esbofeteia teus têmporas
Por o tratares mal.
É difícil essa língua.
Bem longe nos livremos.
Que eles perdoem hoje
A nós, dando anzóis.
Por meu Jesus bondoso
E sua Mãe Maria também,
Quero dançar, dizendo
- “que dêem eles
a vida futura de minha’alma”.