quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

 Auto de Natal de José de Anchieta – Pregação Universal (1561)

 


         

O Natal do Senhor é um tempo todo especial, pois se torna ponto de convergência para todos os caminhos. Nesse lugar onde repousa o coração humano, José de Anchieta deu início a sua obra catequética, i. é, tratando o mistério da encarnação como tema para a sua primeira obra teatral reconhecendo a força de atração que tem o presépio do Senhor. Como sua leitura é marcada pela obra dos Padres da Igreja que veem na carne do verbo a salvação do homem é colocada em cena à história da salvação, isto é, a condição de Adão que perdeu seu quinhão (a graça de Deus) enquanto aguarda sua redenção. Não por acaso que esse seu primeiro espetáculo foi chamado de “Pregação Universal”, pois a primeira boa notícia é acolher o misericordioso amor de Deus que nos visita (Lc 1,78).

Se a encarnação de Jesus, segundo a catequese dos Padres, já é a antecipação da força redentora do gênero humano, José de Anchieta coloca no palco dos brasis a história do moleiro (Adão) que perdeu seu pelote domingueiro (a graça de Deus), pois o diabo foi o ladrão que roubou a graça (veste) de Adão. Nessa trama que inclui o apelo à conversão de portugueses e indígenas (temor e amor de Deus) se constrói a tecedura da veste nova que Jesus (neto do moleiro) trará (Hb 2,14). É a Virgem Maria que, no fundo do palco, costura, no silêncio de quem acolhe a Profecia o novo domingueiro, isto é, veste nova feita pelas mãos humanas da Virgem e pelas mãos divinas de Cristo. Como Sara que tem motivos para sorrir (Gn 21,6), é a jovem filha de Sião quem vingará a Eva antiga se fazendo medianeira (Lc 1,38).

Nessa obra escrita em sua juventude, o Apóstolo do Brasil apresenta claramente as dificuldades do trabalho evangelizador, mas, também, como dizia o P. Leonardo Nunes (seu tutor), há urgência em converter primeiro os portugueses, que são empecilho para a conversão do Brasil. O espetáculo termina em festa, isto é, com a dança dos índios a seu senhorzinho, porque começam a moer o verdadeiro trigo que na manjedoura alimenta o mundo (Lc 2,7). O diabo que desfilava todo galante no início do espetáculo com o casaco roubado termina humilhado, porque o neto do maneiro, que é Jesus, reinstitui ao moleiro (Adão) o que havia sido roubado.

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