terça-feira, 4 de outubro de 2011

O território da fé

“A comunidade eclesial é algo melhor do que um ‘aglomerado’ de indivíduos fiéis, de um serviço público da religião como consumo cultural: é um corpo vivo cujas células estão conectadas ao tecido de uma sociedade em transformação cultural permanente”. A opinião é de Gérard Defois, arcebispo emérito de Lille, na França, publicada no jornal francês La croix, 17-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto. 

Eis o texto.

O problema da Igreja em âmbito rural não é só de hoje. Há 30 anos, a maior parte das dioceses francesas realizou mudanças territoriais, muitas vezes reagrupando as paróquias em torno de uma central, que deveria se tornar o centro das atividades pastorais.

Nesse contexto, lembra-se frequentimente o trabalho do canônico Boulard nos anos 1960 em todo o país. Dele resulta a criação de equipes de padres, de conselhos de leigos para repartir as tarefas. Depois, veio o Concílio, a equipe de animação pastoral com o recurso freqüente ao cânone 517 § 2, enquanto a ação católica iniciava ações missionárias, continuavam o seu caminho.

Tendo participado da pastoral de conjunto segundo o padre Boulard, devo reconhecer que os nossos critérios de análise estavam contidos basicamente na pastoral cultual e catequética. Tratava-se, há 60 anos, de um ruralidade tradicional que estava “decolando” no plano econômico com a industrialização do material e das produções agrícolas, mas também com a formação escolar e universitária dos jovens rurais, que, passou a deixar o território de origem.

A passagem da Jeunesse Agricole Cattholique (JAC) ao Mouvement Rural de la Jeunesse Chrérienne (MRJC) é a tradução mais evidente disso. Mas nós ainda tínhamos a imagem ideal de um conjunto estável em torno da missa dominical, dentro do movimento global da sociedade. 

Hoje, o espaço rural é marcado pela mobilidade e pela fluidez da população que o habita e do qual uma parte importante não trabalha lá. Estamos bem longe da comunidade tradicional, em que a Igreja oferecia um lugar de encontro e de atividades de tempo livre, um lugar de referência para a vida moral e espiritual – aquilo que se definia como pastoral de enquadramento, com ritos e pontos de referência. Segundo esse contexto imaginário, a diminuição dos padres, dos religiosos, das religiosas se provocou uma reviravolta crítica.

Agora, o próprio território paroquial é um lugar de passagem, onde exceto um núcleo de responsáveis que desenvolve atividades funcionais se encontra de modo irregular. É a cultura da passagem, do efêmero, do específico. Queremos continuar mantendo presença de padres para desenvolver ali os mesmos serviços do passado é importante. Mas essa forma de presença revela-se inadequada sobretudo para essa situação de mobilidade.

Se o ministério apostólico do padre desempenha, esta última é, por natureza, submissa a Cristo na sua totalidade e na sua obra de comunhão. O cardeal Ratzinger, no início dos anos 1980, rejeitando um centralismo episcopal da Igreja Universal, escrevia: “A finalidade eclesiológica essencial do colégio [episcopal] não é a de formar um governo central da Igreja, mas ao contrário, de contribuir para edificar a Igreja como um organismo vivo que cresce e é unido em todas as suas células vivas” (Église, oecuménisme et politique, Ed. Fayard, 1978, p. 74).

A vida da Igreja não se reduz a uma instituição que deve funcionar a qualquer custo e de forma eficiente, senão rentável. Não tem nada a ver com a racionalidade administrativa dos serviços públicos da sociedade, da gestão de pessoal ou do funcionamento de estruturas. Ela é presença em termos de gratuidade e de dom. remonta à ordem do significado sacramental, da existência no mundo e do nascimento de um corpo.

Para isso, é preciso que nos interroguemos sobre algumas das nossas novas paróquias centradas mais em uma forma de serviço do que deve funcionar do que sobre o nascimento e o crescimento de células vivas locais.

Querer reagrupar a pastoral no centro da cidade ou nas capitais do interior comporta o risco de legar a nossa presença aos idosos aposentados, àqueles que têm bons salários, aos militantes dos anos 1970. A centralização provoca, queira-se ou não, um empobrecimento. Nos nossos dias, a vida surge muitas vezes na periferia.

No ano passado, a Conferência dos Bispos da França havia considerado realizar cerca de 60 iniciativas que anunciavam novas formas de presença nessas terras de mobilidade e de fluidez de relações: mais orientadas, mais ligadas a eventos. Encontros, peregrinações, comunidades de jovens responsáveis pela vida eclesial, crismas festivas de Pentecostes etc. fazem com que surjam formas de “eclesialidade” diferente das do passado.

Esses germes de tecido são o testemunho de uma Igreja sacramento de salvação para todos. Porque a comunidade eclesial é algo melhor do que um “aglomerado” de indivíduos fiéis, de um serviço público da religião como consumo cultural: é um corpo vivo cujas células estão conectadas ao tecido de uma sociedade em transformação cultural permanente.

A consciência de ser cristão não pode se reduzir a uma filiação ideológica, nem a convicções relacionadas a valores. É fonte de reações, traz em germe uma vida fraterna e responsável. A pastoral está ao serviço de tais relações requer um descentramento dos nossos interesses, segundo uma lógica de acompanhamento das pessoas e não de regulamentação ou de padronização das práticas.

Paulo não impôs às comunidades de Corinto nenhuma dependência a Jerusalém, mas sim relações de comunhão e de solidariedade. As Igrejas locais são lugares do Espírito, segundo o Apocalipse, porque o Espírito se estabelece e, uma comunidade de raízes humanas, aquelas em que a fé ganha vida.

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