domingo, 17 de abril de 2011

Batismo-Crisma como itinerários da Igreja


O primeiro desafio posto neste curso a partir da obra “Nas fontes da fé cristã – uma teologia do Batismo-Crisma” é repensar os sacramentos da iniciação cristã em sua unidade inicial e, o segundo, refletir a desagregação contemporânea entre o Sacramento e a vida. Isso porque, para compreender corretamente qual é a fé da Igreja, precisamos pensar Batismo-Crisma de forma integrada para não cometer erro em sua interpretação; pois, se admitimos que no Sacramento do Batismo recebemos o Espírito Santo, então o que seria a Crisma? Ou, partindo dessa lógica, o que seria a Crisma para um batizado que já tem o Espírito Santo: será que o Batismo possui data de validade e por isso é necessária uma segunda dose? Tais equívocos não podem passar despercebidos à nossa reflexão. Por isso, partindo da leitura da Tradição Apostólica e dos Santos Padres da Igreja, constatamos que a iniciação cristã é um momento importantíssimo da formação eclesial que pode nos ajudar a sanar não só esse, mas outros desafios.


O Concílio Vaticano II, na Sacrosantum Concilium nº 64, afirma com todas as letras que seja restaurado o catecumenato na Igreja para que, por meio da instrução e dos ritos sagrados, possa a humanidade ser santificada para a edificação do corpo místico de Cristo. A Igreja firmemente deseja que todos os cristãos se sintam convidados para se fazer “ouvintes da Palavra” e, a partir da liturgia Quaresmal, conscientes de que somos sempre neófitos “em processo de conversão”. Neste contexto, o catecúmenato, na assistência do Espírito Santo, dá acesso existencial ao mistério de Deus na vida do crente, porque Batismo-Crisma se torna o Sacramento da fé, o Sacramento da conversão e o Sacramento da iniciação cristã.


Para afirmar que o Batismo-Crisma é o Sacramento da fé, precisamos afirmar que, quem adere à fé, adere a um seguimento; ou melhor, é iniciado na fé de alguém ou de um grupo e, essa ação pressupõe conversão. A Tradição sempre acentuou essa compreensão, porque “tem acesso ao Batismo quem se converte ao Evangelho.” Portanto, o Sacramento da fé é antes o Sacramento da conversão à fé; ou melhor, conversão à Boa Nova do Evangelho enquanto seguimento. O tempo forte da Quaresma é o momento por excelência para a formação dos catecúmenos (os adultos que desejam receber o Batismo na Vigília Pascal), pois renovamos a nossa confissão na morte e ressurreição do Senhor e proclama o Mistério Pascal. As primeiras comunidades sempre recorreram a esses textos da liturgia quaresmal para a formação dos catecúmenos, fato que ainda é válido para nós hoje. Nos cinco domingos da quaresma a Igreja pode encontrar pistas para compreender o verdadeiro significado do sacramento do Batismo-Crisma nestes três aspectos: na adesão à fé, na conversão ao Evangelho e na iniciação cristã.


Quando falamos em fé, estamos falando da acolhida ao chamado que recebemos por meio da pregação (Rm 10,17). Na verdade, a fé nos vem por meio de Jesus Cristo e se concretiza em nós como graça do Espírito, a convite do Pai. A resposta da samaritana no poço de Jacó figura bem o tipo de resposta que Jesus nos chama a dar, porque passa primeiro por um encontro pessoal e transformador e nos faz seus discípulos. O conteúdo da fé é o Evangelho de Jesus Cristo, como afirmam os samaritanos: “Não é somente por causa dos teus dizeres que nós cremos, nós mesmos o ouvimos e sabemos que ele é verdadeiramente o Salvador do mundo” (Jo 5, 5-42). Portanto, a fé é uma resposta existencial que esclarece e desvela tudo que ainda está obscuro, fazendo-nos capazes da Boa Nova: “se ele não viesse da parte de Deus não poderia fazer o que faz, diz o cego” (Jo 9, 5-45). Muitas vezes cantamos... “comungar é tornar-se um perigo”, porque Ele mesmo é quem se dá ao ouvinte da Palavra, na celebração eucarística. A nossa resposta só é possível animada pelo Espírito Santo como experiência pessoal e comunitária, porque Jesus é o autor e realizador da fé (Hb 12,2).


Quando falamos em conversão estamos pressupondo a liberdade, que no Espírito é doada, porque a idolatria torna a liberdade humana escrava do pecado. A tentação de Jesus quer nos ensinar algo verdadeiramente importante: o reino de Deus combate as estruturas de morte de nossa sociedade, denunciando os ídolos e nos chamando à conversão (Mt 4, 1-11). Não podemos esquecer que a conversão é a condição de todo ser humano que vive na fé e que inicia o seu processo de iluminação em Cristo. A vitória de Jesus sobre a tentação é o sinal concreto de que a liberdade humana, mediada pela graça, é convidada a se tornar liberdade “de” e liberdade “para”; aberta para uma resposta radical de amor e justiça (Rm 6, 20). Pelos sacramentos da iniciação o catecúmeno vai fazendo o seu próprio processo no discipulado respondendo para si mesmo “Quem é o Filho do Homem?” (Jo 9, 36).


Quando falamos em sacramento da iniciação estamos compreendendo que somos iniciados de forma mistagógica ao mistério da vida de Deus, revelado em Jesus Cristo, pela ação do Espírito Santo. No batismo somos iluminados e nossos olhos são abertos para ver a salvação. A iniciação cristã é uma escola da liberdade, porque como liberdade o outro é mistério e Deus, é esse eterno outro que se revela e se autocomunica. Nesta mesma dinâmica podemos compreender a posição do cego de nascimento diante dos fariseus: “Aí está, de fato, o que é espantoso, que não saibais de onde ele é; ele que me restituiu a vista!” (Jo 9, 1-41). A contradição é essa, Jesus não é uma realidade evidente por si (Escândalo para o judeu e loucura para o grego), porque o acesso a Jesus é o próprio Jesus (só conhecemos a Deus na medida em que praticamos a verdade do amor no seguimento dele).


Portanto, pensar o sacramento da iniciação a partir das leituras que estamos fazendo, seja da Tradição ou das escrituras na liturgia, é extremamente interessante, porque tomamos consciência que Cristo deseja renovar constantemente a Igreja nas águas do batismo, constituindo-nos seu corpo místico. A dinâmica do catecumenato é o caminho e melhor itinerário para fazer não só dos catecúmenos, mas todos os fiéis, “filho no Filho”, como “ouvintes da Palavra” que respondem no Espírito dizendo Abbá; fazendo da oração do Filho a sua oração.



Felipe Soriano, SJ
(Reação ao curso Batismo-Crisma, 2011/I)

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